

Mercúrio na Mineração de Ouro: Incompatibilidades Ambientais, Sanitárias e Regulatórias no Licenciamento Mineral Contemporâneo
A utilização do mercúrio metálico (Hg⁰) nos processos de beneficiamento de ouro, especialmente por amalgamação (para ouro livre), representa uma das práticas mais críticas e ambientalmente danosas ainda observadas na cadeia produtiva mineral. Embora historicamente difundido em operações de pequeno porte, seu uso revela-se tecnicamente incompatível com os princípios modernos do licenciamento ambiental, da prevenção de riscos e da sustentabilidade mineral.
Do ponto de vista ambiental, o mercúrio caracteriza-se por elevada toxicidade, persistência e capacidade de bioacumulação, sendo facilmente mobilizado em sistemas aquáticos e convertido em metilmercúrio — composto altamente neurotóxico, com impactos severos sobre a biota, a cadeia alimentar e a saúde humana. Mesmo emissões pontuais ou difusas são suficientes para comprometer solos, sedimentos e recursos hídricos estratégicos, sobretudo em regiões de vulnerabilidade hídrica, como o semiárido pernambucano.
Nesse contexto, o modelo de licenciamento ambiental de empreendimentos auríferos proposto, incorpora exigências cada vez mais rigorosas quanto ao controle, rastreabilidade e, sobretudo, à demonstração de inviabilidade técnica e econômica do uso do mercúrio. Destacam-se a obrigatoriedade de balanço de massa do Hg, planos de gestão específicos, monitoramento ambiental e ocupacional, além da apresentação de rotas tecnológicas alternativas, evidenciando a clara diretriz institucional de eliminação progressiva dessa substância.
Sob a ótica normativa, o arcabouço legal brasileiro avançou de forma decisiva com a Instrução Normativa IBAMA nº 26/2024 e com a internalização da Convenção de Minamata, reforçando compromissos de redução, controle e erradicação do mercúrio. Tais instrumentos consolidam o entendimento de que o licenciamento ambiental não deve apenas mitigar impactos, mas evitar riscos inaceitáveis à saúde pública e ao meio ambiente.
Adicionalmente, a existência de tecnologias consolidadas e economicamente viáveis — como concentração gravimétrica avançada, separadores centrífugos, flotação e circuitos a seco — elimina qualquer justificativa técnica para a permanência do mercúrio no beneficiamento do ouro. A manutenção dessa prática configura, portanto, não apenas um passivo ambiental, mas também um atraso tecnológico incompatível com a mineração responsável e regulada.
Dessa forma, a convergência entre a nota técnica institucional (NOTA TÉCNICA Nº 050/2025 - SPER/ULUS/DLAM) e o modelo de licenciamento vigente evidencia uma diretriz inequívoca: o mercúrio é ambientalmente insustentável, sanitariamente perigoso e juridicamente incompatível com o licenciamento mineral contemporâneo. Sua proibição, mais do que uma opção regulatória, impõe-se como medida necessária para a proteção dos recursos hídricos, dos ecossistemas e da saúde coletiva, alinhando a mineração de ouro aos princípios da precaução, da responsabilidade socioambiental e da inovação tecnológica .


